A “Revista de Lingua
Portuguesa”, cujo primeiro numero apresentamos em publico, é
empreendimento que tem por fim cooperar no desenvolvimento literario,
apontando a não menor alvo que a cuidar no cultivo e conservação da
lingua, estudá-la nos seus monumentos, commentá-la nos seus modelos,
interpretá-la nas suas normas, venerá-la no trato de seus
representantes e propagá-la qual a menearam os mais versados
exemplares das boas letras.
(Intenções,
de Laudelino Freire: no 1, p. 5)
A Revista de Língua
Portuguesa foi um dos mais importantes periódicos na área filológico-gramatical
no Brasil, publicada bimestralmente no período de 1919 a 1935 e
composta de um total de sessenta e oito números, em três fases.
Foram 1.051 matérias, 12.826 páginas.
O periódico dependia das assinaturas de seus leitores e da inserção
de algumas páginas publicitárias, estas sempre colocadas ao final da
revista, embora muitas vezes para divulgadar livros e coleções
publicadas pela própria RLP. Entre seus patrocinadores, figuraram
firmas e empresas bastante tradicionais do comércio, da indústria e
da economia, como a Sul América Cia. Nacional de Seguros de Vida, a
Integridade - Cia. de Seguros Marítimos e Terrestres, L’Union -
Cia. Francesa de Seguros, a Anglo Sul Americana Cia. de Seguros
Terrestres e Marítimos, a Internacional Cia. de Seguros, a Atlântica
- Cia. Nacional de Seguros, os Estaleiros Caneco,
o Banco Alemão Transatlântico, a
marca Synoról (sabonete, pó e elixir dentifrício), a Papelaria
Villas Boas, a Livraria Francisco Alves, a Livraria Acadêmica, a
Livraria Cruz Coutinho, a Litho-Tipographia Fluminense, O. Mínních
(firma de artes gráficas), a Cia. das Loterias Nacionais do Brasil, a
Drogaria Legey, a Casa Heim (especializada em comestíveis), a metalúrgica
Soares de Sampaio & Cia. Ltda., a Marcenaria Brasil e a Companhia
Fornecedora de Materiais (para construção), entre outros.
Sua primeira fase estendeu-se, com absoluta
regularidade bimestral, de setembro de 1919 a dezembro de 1929.
Após uma interrupção de pouco mais de um ano, a revista voltou a
ser publicada, em sua segunda fase, de setembro de 1931 até março de
1932, também bimestralmente. Durante
os anos de 1933 e 1934, houve outra interrupção, acontecendo o
retorno em 1935, quando foram publicados os dois últimos números,
que integraram a terceira e última fase, um em janeiro e o outro em
março, encerrando definitivamente a sua publicação. Somam-se,
portanto, sessenta e oito volumes, sendo sessenta e dois referentes
à primeira fase, quatro à segunda e dois à terceira.
Os primeiros números da Revista de Língua Portuguesa
chegaram a receber uma segunda edição, lançada no final da década
de 20. O número médio de páginas
ficava em torno de 190, sendo que, na primeira metade da primeira
fase, havia quase sempre um número superior a duzentas páginas (uma
delas teve 317 páginas), ao passo que na segunda metade o total
ficava perto de uma centena e meia.
Houve inclusive números com “apenas” 141 páginas, o que pode ser
interpretado como um sintoma de dificuldade para sua edição.
Seu idealizador e diretor, Laudelino de
Oliveira Freire, nasceu na
cidade de Lagarto, Sergipe em 26 de janeiro de 1873 e faleceu
no Rio de Janeiro em 18 de junho de 1937. Foi advogado, jornalista,
professor, político, crítico e filólogo. Estudou no Colégio
Militar do Rio de Janeiro, não concluindo seu curso por motivo de
doença. Retornaria, entretanto, mais tarde àquela instituição como
professor catedrático, lecionando diversas disciplinas, como Português,
Espanhol, Geografia, História e Geometria. Formou-se em Direito em
1902.
Após cumprir três mandatos como deputado estadual em Sergipe,
Laudelino Freire fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro, tendo
colaborado em diversos órgãos da imprensa, entre eles o Jornal do
Brasil, o Jornal do Comércio e O País. Dirigiu a Gazeta de Notícias
e assinou alguns artigos na imprensa sob os pseudônimos Lof e Wulf.
Eleito em 16 de novembro de 1923 para a Cadeira no 10 da
Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Rui Barbosa
(1849-1923), fundador da Cadeira, cujo
patrono é Evaristo da Veiga (1799-1837), foi recebido em 22 de
março de 1924, pelo acadêmico Aloísio de Castro (1881-1959).
Laudelino foi um
amante da língua portuguesa, divulgador dos estudos clássicos e teve
a competência de um grande mestre. Foi autor de vários trabalhos de
elevado valor filológico e literário, entre os quais se destaca o
Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de publicação
póstuma (1939), com a colaboração
de J. L. de Campos, Vasco Lima e Antônio Soares Franco Júnior – obra
até hoje representativa da lexicografia de língua portuguesa, com
208.104 verbetes, 5.284 páginas e
5 volumes
Seus principais livros foram: Escritos
Diversos (ensaios, 1897); História de Sergipe (história, 1900);
Sonetos Brasileiros (antologia, 1904); Os Próceres da Crítica (crítica,
1911); A Defesa da Língua Nacional (1920); Regras
Práticas para bem escrever (1920); Verbos Portugueses
(filologia, 1925); Notas e Perfis (onze volumes, 1925-1930); Seleta da
Língua Portuguesa, anotada (1934); Linguagem e Estilo (1937).
Curiosamente, encontram-se também em sua produção livros sobre
Filosofia e Lógica e mesmo sobre Geometria, a saber: Introdução ao
Curso de Psicologia e Lógica e Lições de Geometria Prática.
Laudelino Freire foi também um grande editor e divulgador de obras.
Promoveu a republicação fac-similar da segunda edição do Dicionário
de Língua Portuguesa, de Morais, propiciou a publicação de vários
livros e fundou a Estante Clássica da Língua Portuguesa, publicação
associada à Revista de Língua Portuguesa e cujos volumes constituem
primorosa contribuição aos estudos sobre a vida e a obra de grandes
nomes da língua portuguesa. A obra tinha um plano de publicação de
cinqüenta volumes (“Compor-se há a colleção de cincoenta
volumes”), revelado na abertura do primeiro exemplar. O audacioso
projeto, assinado por seu diretor, se propunha a transcrever trabalhos
onde brilhem os lavores da linguagem scintillante e pura; e quanto nos
seja dado, enriquece-lo hemos de annotações grammaticaes, lexicológicas,
literarias e historicas. (p. VII)
Formariam a Estante
Clássica, sob a chancela da Revista de Língua Portuguesa:
Rui Barbosa, Gregório
de Matos, Matias Aires, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Gonzaga,
Silva Alvarenga, Basílio da Gama, Santa Rita Durão, Sousa Caldas,
Mont’Alverne, Visconde de Araguaia, Porto-Alegre, João Lisboa, Gonçalves
Dias, Odorico Mendes, Bispo do Pará, Porto Seguro, Moraes, Ramiz Galvão,
Machado de Assis, Francisco de Castro, Carneiro Ribeiro, Alfredo
Gomes, Heráclito Graça, Pacheco Júnior, Lameira de Andrade, Sotero
dos Reis, Júlio Ribeiro, João Ribeiro, Castro Lopes, Lucindo Filho,
João de Barros, Sá de Miranda, Camões, Antônio Ferreira, Amador
Arraes, Fernão Mendes, Francisco Manuel de Melo, Luís de Sousa, Antônio
Vieira, Manuel Bernardes, Fernão Lopes, Antônio das Chagas, Bocage,
Filinto Elísio, José Agostinho de Macedo, Bluteau, Herculano, Antônio
Castilho, Camilo, Garrett, Rebelo da Silva, Latino Coelho, Cândido de
Figueiredo, Gonçalves Viana.
No entanto, a coleção
ficou restrita a quinze volumes, a saber: Rui Barbosa (vol. I, nov.
1920); Machado de Assis (vol. II, jan. 1921); Carneiro Ribeiro (vol.
III, abr. 1921); Francisco de Castro (vol. IV, jun. 1921); Morais
(vol. V, set. 1921); Antônio Castilho (vol. VI, out. 1921); Gonçalves
Dias (vol. VII, dez. 1921); Camilo Castelo Branco (vol. VIII, fev.
1922); Latino Coelho (vol. IX, jun. 1922); Ramiz Galvão (vol. X, set.
1922); Eusébio de Matos (vol. XI, ago. 1923); Antônio de Sá (vol.
XII, jan. 1924); Porto-Alegre (vol. XIII, ago. 1924); Diogo Gomes
Carneiro (vol. XIV, nov. 1924); e Rocha Pita (vol. XV, 1925).
Integraram a redação da Revista de Língua Portuguesa setenta e seis
colaboradores efetivos, dentre os quais citamos os nomes de Afrânio
Peixoto, Cândido de Figueiredo, Carlos de Laet, Carlos Góis, Daltro
Santos, João Ribeiro, José Joaquim Nunes, Júlio Nogueira, Leite de
Vasconcelos, Mário Barreto, Maximino Maciel, Ramiz Galvão, M. Said
Ali, Silva Ramos, Sousa da Silveira, dentre outros cuja contribuição
é igualmente relevante e que poderão ser encontrados no índice
constante deste trabalho.
Com o subtítulo “Arquivo de estudos relativos ao idioma e
literatura nacionais”, a Revista era composta de artigos e colaborações,
embora alguns de seus textos não tivessem o compromisso da
regularidade, ou seja, nem sempre os autores voltavam a enviar
colaborações para os volumes seguintes e, se o faziam, não
mantinham necessariamente seqüência entre os assuntos desenvolvidos.
Outros trabalhos, reproduzidos ou originais,
constituíam seções que se repetiam em diversos volumes, como a “Réplica
do Senador Rui Barbosa: às defesas de redação do Projeto do Código
Civil Brasileiro da Câmara dos Deputados”, dividida em quarenta e
uma matérias, do no 1 ao no 43; o “Dicionário
da língua tupi”, de Gonçalves Dias, publicado em vinte partes,
também do no 1 ao no 43;
as “Lições de português: dadas no terceiro ano da Escola Normal,
de acordo com o programa vigente no ano letivo de 1920”, de Sousa da
Silveira; ou o “Regime dos verbos portugueses”, de Hélio Ribeiro,
sete artigos, do no 32 ao 42.
Algumas das matérias da Revista acabaram sendo incluídas ou
reunidas em livro. Três exemplos ilustram
bem o que foi também uma das contribuições do periódico. O mais
relevante é o caso do livro Lições de Português, de Sousa da
Silveira, cuja primeira edição (1923) reproduz na íntegra os dez
artigos publicados de maio de 1921 a janeiro de 1923 na Revista de Língua
Portuguesa. A última das reedições desse livro tem data de 1983,
pela editora Presença.
Outra menção importante são dois artigos de M. Said Ali, “Emprego
do gerúndio” (no 4, 1920) e “Verbos transitivos e
intransitivos” (no 11, 1921), incluídos em sua Gramática
Histórica da Língua Portuguesa, cuja primeira edição se constituiu
de dois volumes autônomos, a Lexicologia do Português Histórico (de
1921) e a Formação de
Palavras e Sintaxe do Português Histórico (de 1923), reunidos depois
num único volume publicado em 1931 e várias vezes reeditado, a última
delas no ano de 2001 pela EdUSP.
Por fim, também merece referência, entre outras tantas que poderíamos
fazer, as matérias assinadas por Mário Barreto, muitas delas na seção
”Consultas”. O renomado filólogo incluiu-as esparsa e
tematicamente em seus livros da série “Estudos de Língua
Portuguesa”, “Através do Dicionário e da Gramática” e “De
Gramática e de Linguagem publicados entre 1920 e 1928 e cujo último relançamento
deu-se na década de 80 pela editora Presença, estando hoje novamente
esgotados.
A Revista tinha também algumas seções fixas, dentre as quais
se pode destacar a que tinha o significativo título de “Os Mestres
da Língua”, presente em 49 dos volumes, não
constando apenas
dos nos 46, 47 e 50 a 62 da 1ª série e dos quatro da 2ª
série. Assinada na maioria das vezes pelo próprio Laudelino
Freire, o objetivo desses artigos era homenagear uma figura importante
na divulgação do trabalho em prol da língua portuguesa. Quase
sempre colocada ao final do volume e antecedida de
uma foto do homenageado, a seção focalizou personalidades como Rui
Barbosa, Santa Rita Durão, Pe. Antônio Vieira, Alexandre Herculano,
Camilo Castelo Branco, Gonçalves Dias, Machado de Assis, Carlos Góis,
Eduardo Carlos Pereira, Pe. Magne, Cândido de Figueiredo, Filinto Elísio,
Mário Barreto, Silva Ramos, Carlos de Laet, Rafael Bluteau, Maximino
Maciel e João Ribeiro.
“Consultas” era o título de outra seção fixa da Revista,
destinada a responder a perguntas e esclarecer dúvidas dos leitores
acerca de questões que interessavam ao idioma vernáculo. As questões
eram enviadas à redação da revista e encaminhadas a um dos
colaboradores, que respondia aos consulentes.
Eventualmente algum número da Revista de Língua Portuguesa tinha um
caráter temático especial, como o nº 23, que divulgou a homenagem póstuma
a Rui Barbosa, patrono da Revista, por ocasião de seu falecimento,
ocorrido a 2 de março de 1923. A edição reproduziu a cobertura
realizada pela imprensa e transcreveu artigos de vários jornais de
grande prestígio na época, dentre eles a Gazeta de Notícias. O nº
29 da Revista divulgou a eleição de Laudelino Freire para a Cadeira
nº 10 da Academia Brasileira de Letras, em sucessão a Rui Barbosa,
publicando o “Discurso dirigido aos acadêmicos”, de Laudelino
Freire na cerimônia de posse, além de outros a ele dedicados, dos
quais se destaca o de recepção, “Discurso dirigido a Laudelino
Freire”, de Aloísio de Castro. Ainda nesse número, sob o título
“O que disse a imprensa”, foram transcritas as matérias de vários
jornais, como o Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O País, O
Imparcial, ABC, Vida Carioca, que focalizaram a posse de Laudelino
Freire.
O período em que se inscreve a publicação da Revista de Língua
Portuguesa é marcado por muitas controvérsias e discussões em torno
da língua portuguesa. Segundo Tânia Regina de Luca, em A Revista do
Brasil: um diagnóstico para a (n)ação, já desde o século XIX,
duas correntes de pensamento se confrontavam a esse respeito: a dos
puristas, defensores dos cânones gramaticais de base lusíada, e a
dos vanguardistas, que pretendiam uma autonomia da variante brasileira
na sua forma gráfica, literária e lexical, reafirmada pelo
distanciamento geográfico, pela formação étnica e climática,
“advogando a legitimidade dos brasileirismos e das construções
populares” (p. 244). A posição da
Revista de Língua Portuguesa era declaradamente conservadora, a ponto
de constar do primeiro artigo de seu primeiro número referências
que enalteciam
a pureza de Castilho, a grandiosidade de Herculano, a
riqueza de Camillo, a eloquencia de Latino Coelho, a graça de Almeida
Garrett, o donaire, a elegancia, o garbo de João Francisco Lisboa,
Gonçalves Dias, Francisco de Castro, Machado de Assis, e em todos a
correcção, a lucidez, o ornato, a propriedade.
(Intenções,
de Laudelino Freire: no 1, p. 9)
As propostas de reformas ortográficas, igualmente mencionadas nas
“Intenções”, criavam uma série de celeumas entre gramáticos e
filólogos. Para Tania de Luca, teria a Academia Brasileira de Letras,
“abdicando suas propostas em prol daquelas formadas pelos
portugueses – consideradas do ponto de vista lingüístico
superiores,” enfurecido boa parte da nossa intelectualidade. E
prosssegue:
Entrelaçavam-se aqui
questões teóricas e políticas. No tocante à primeira, alguns
defendiam a ortografia etimológica, discordando portanto de qualquer
alteração, independentemente de quem a propusesse. Dentre os que
reconheciam a necessidade de simplificar o sistema vigente, alguns
recusavam a proposta portuguesa, não muito diferente da brasileira,
pelo fato dos especialistas deste lado do Atlântico não terem sido
consultados; enquanto outros defendiam uma ortografia fônica que
fosse fiel unicamente à prosódia brasileira. Havia ainda aqueles
que, preocupados com a afirmação da nossa autonomia, interpretavam a
adoção do modelo português como verdadeira capitulação diante da
antiga metrópole, amplamente inferiorizada no tocante ao número de
usuários do idioma. (Luca,
p. 247-8)
De fato, em surgia a primeira proposta de
uma instituição brasileira a respeito de uma convenção ortográfica:
Na última sessão ordinária dessa instituição literária o Sr.
Medeiros e Albuquerque propôs que fosse nomeada uma comissão para
estabelecer várias regras tendentes a fixar a ortografia que deve a
Academia usar em seu Boletim.
No estado atual de nossa língua, inspirando uma verdadeira anarquia
ortográfica, cada qual escrevendo como lhe parece e, o que é mais,
procurando argumentos para demonstrar que sua ortografia é que é a
certa, nenhum serviço mais assinalado pode a Academia prestar do que
esse de fixar normas para seu uso, a fim de que em suas publicações
oficiais não apareça em cada trabalho uma ortografia diversa
conforme o modo de ver do respectivo autor.
(Jornal
do Commercio: 15 jun. 1901)
Apresentado à Academia
Brasileira de Letras por Medeiros de Albuquerque, gerou discussão por
alguns anos, sem que se chegasse a uma conclusão satisfatória. Aliás,
ao longo da primeira metade do século XX, reformas ortográficas
foram propostas e aceitas para logo após serem revogadas. Laudelino
Freire chegou a apresentar à Academia um Formulário Ortográfico,
rejeitado.
A Revista de Língua Portuguesa não se absteve da “luta”,
divulgando os diferentes pontos de vista defendidos por seus
colaboradores, a saber: Silva Ramos, “A Reforma Ortográfica”, em
defesa da ortografia oficial portuguesa (nos 3 e 4);
Fernando Néri, “Reforma Ortográfica”, proposta subscrita por
vinte e dois acadêmicos, solicitando a revogação das deliberações
adotadas pela Academia, até que o problema da simplificação ortográfica
fosse resolvido (no 3); Domingos de Castro Lopes, “Pela
escrita sônica” (nos 4 e 5).
Em julho de 1924, Laudelino Freire apresentou à Academia Brasileira
de Letras seu plano de organização do Dicionário Brasileiro,
divulgado pelo número 30 da Revista. Uma das partes do trabalho
tratava de sua proposta de reforma ortográfica. Em seguida, no número
31, Silva Ramos, João Ribeiro e Aloísio de Castro declaravam o
“Parecer da Comissão de Lexicografia acerca do Plano de Organização
do Dicionário Brasileiro”, que a princípio não lhe era favorável
e propunha várias mudanças. Ao final, como sabemos, o dicionário de
Laudelino saiu como obra póstuma e a reforma ortográfica foi
rejeitada.
Sem querer pormenorizar neste ponto as várias “negociações” a
respeito da questão ortográfica, podemos dizer que só na
década de 40 foi oficializada no Brasil a nova ortografia, após
acordo entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências
de Lisboa Portugal, consubstanciada no Pequeno Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa, que vigorou até 1971, quando algumas
simplificações nas regras de acentuação, foram implantadas.
O grande público, sensível à situação, participava opinando por
meio dos veículos de comunicação que lhe eram disponíveis, ao
passo que o governo assumia uma atitude de autoridade diante dos
impasses, promovendo reformas educacionais em favor de uma linguagem
mais apropriada à realidade brasileira, mas sem abandonar o rigor
gramatical. A Revista de Língua Portuguesa assume papel definido
diante desse contexto, rejeitando o movimento renovador e divulgando
obras nacionais, portuguesas ou mesmo de origem diversa, visando à
manutenção da erudição e do purismo.
Posto que não deixasse de manifestar
sua posição conservadora diante das divergências levadas à discussão,
podemos, contudo, afirmar que a RLP prestava um serviço de ordem
vanguardista para aquela época, porque não se omitia de veicular
artigos relativos às várias correntes existentes, mesmo as que
apresentassem propostas inusitadas, contrárias às defendidas pela
revista, como por exemplo “O dialeto caipira” que tratava sobre as
variações do português falado nas várias regiões do território
nacional (Sousa da Silveira, nº 11) e “A língua nacional”, a
respeito das alterações léxicas e gramaticais necessárias ao falar
do Brasil como o uso do pronome átono no início da frase (João
Ribeiro, nº 13).
As polêmicas que estão publicadas na Revista incluem esse
tema da ortografia, mas também envolvem questões sobre aspectos do léxico,
da etimologia, da sintaxe e de muitos outros assuntos que hoje, diante
das inúmeras colunas de consultórios gramaticais espalhadas
pela imprensa, nem parece já terem sido tratados exaustivamente no
passado.
É interessante notar que muitas das dificuldades daquela época
são as mesmas ainda hoje trazidas a questionamento, como por exemplo
o uso dos pronomes pessoais retos e oblíquos, assunto que foi matéria
de muitos números da Revista de Língua Portuguesa, a saber: “o uso
dos pronomes entre verbos” (A. Leite, no 25), “o
pronome se” (Alfredo Gomes, no 15), “colocação
pronominal” (João Ribeiro, no 27), “entre eu e ele?
entre mim e ele?” (Alfredo Gomes, no 30), dentre muitos
outros que poderíamos citar como “o uso do verbo haver indicando
tempo decorrido” (José da Costa Pereira, no 3,
2a série) e “sobre a regência de assistir” (José de
Sá Nunes, no 2, 3a
série).
A aproximação que existe atualmente entre professores e alunos é
uma situação que facilita o diálogo e abre espaço ao
questionamento. Esta, contudo, não era a forma com que se articulavam
mestres e discípulos nas décadas de 20 a 40 do século passado. A
distância gerava um certo autoritarismo claramente percebido no tom
das respostas dadas e na forma com que os mestres as apresentavam,
embora se possa encontrar um início de discussão a respeito dos usos
lingüísticos.
O momento historico em que se encontram os dois povos que se expressam
em lingua portuguesa, díspares
presentemente no modo de a encararem, põe
em relevo a bifurcação della em dois ramos já bem distinctos e que
mais a mais se hão de separar de forma pertinaz e incoercivel.
(Intenções,
de Laudelino Freire: no 1, p. 7)
Como se vê, farto é o
material disponível para pesquisa nos sessenta e oito números
publicados da revista dirigida por Laudelino Freire. E, para melhor
estudarmos sua organização interna e facilitarmos futuras consultas,
elaboramos neste trabalho três diferentes índices:
- um índice das matérias
por exemplar, no qual distribuímos os artigos de cada
volume de acordo com a relação de nomes
dos autores pela ordem numérica das páginas como se apresentam na
revista;
- um
índice geral de autores e colaboradores, que reorganiza o primeiro índice
em ordem alfabética, identificando os autores dos artigos publicados e
acrescentando a informação sobre o número da Revista em que podem
ser encontrados; e
- por último, um índice geral por assunto, para o qual
selecionamos áreas de estudo que permitissem abranger todos os
artigos, agrupando-os por suas características predominantes. Complementa-o
um índice dos 22 apêndices,
inseridos com repaginação e renumeração nas últimas páginas da
Revista, reproduzindo textos relevantes para a língua portuguesa (ou
assim considerados).
O modelo que aqui seguimos não é mesmo que foi adotado por
Pedro Caruso no seu Índice Remissivo da Revista de Língua
Portuguesa, obra publicada em 1966, contribuição relevante e
pioneira sobre a revista de Laudelino Freire. Nela,
o autor mescla a relação alfabética dos nomes dos autores, dos
homenageados e dos temas tratados e menciona de forma muito breve o
assunto relativo ao artigo exposto. Também apresenta, ao final, um
quadro cronológico sucinto da periodicidade dos números, a lista dos
colaboradores e a instituição à qual se filiavam, indicando ainda
uma lista de bibliotecas que possuíam, à época do lançamento do
livro, a coleção das revistas,
completa ou não. O índice de Pedro Caruso compõe-se de cento e
noventa páginas, tendo sido elaborado a partir da dificuldade sentida
pelo seu próprio autor de consultar a Revista de Língua Portuguesa.
Convém também assumir neste ponto
as limitações do terceiro dos índices aqui apresentados.
A divisão proposta se faz sob certa reserva, pois não é raro
estarem presentes num mesmo texto traços marcados de mais de uma área.
Por isso, procuramos adotar denominações mais genéricas, como:
morfologia, ortografia, sintaxe, crítica filológica, crítica
gramatical, crítica textual, polêmicas (geradas pelas diferentes
correntes filológicas existentes na época), brasileirismos,
tupinismos, toponímias, linguagem profissional, textos de valor
documental ou literário, entre outros. Para tanto, tomamos por base
outro trabalho pioneiro, o de Antônio Martins de Araújo, responsável
pela indexação da Revista Filológica, editada de 1940 a 1956, também
um importante periódico na história dos estudos lingüístico-gramaticais
brasileiros.
Certamente, o trabalho de Antônio Martins muito nos auxiliou nesta
jornada, servindo o seu próprio índice
como modelo para a confecção dos
que aqui apresentamos, apesar das adaptações que precisamos fazer à
listagem do Índice geral por grupo de assuntos,
em virtude da necessidade de ajuste
às características deste periódico e também ao grande número de
revistas e aos temas nelas ventilados. Ambos os trabalhos
encontram-se agora vinculados a um projeto maior, qual seja o que o GT
Historiografia da Lingüística Brasileira da ANPOLL
tem estimulado e expandido: Indexação das Revistas Filológicas
Brasileiras do Século XX.
Por força da pesquisa à qual nos dedicamos, fomos apresentados a
textos, muitos dos quais até então por nós desconhecidos. Vivemos
durante esse trajeto a redescoberta, ou mesmo a descoberta de autores
do passado que se atualizam pela riqueza de seu conteúdo, pela maior
ou menor sensibilidade que
revelavam para decodificarem fatos expressivos da língua portuguesa
que hoje estão prontos para nós, explicados e descritos pela Gramática
ou pela Lingüística. Porém, naquela época era por meio das
tentativas de acertos e erros, do uso da intuição e do raciocínio lógico
que se obtinham as conclusões. Daí o grande mérito devido a esses
precursores dos estudos sistemáticos do português no Brasil, que não
temeram expor suas idéias, mesmo em face de tantas críticas
levantadas pelas correntes opostas.
A Revista de Língua
Portuguesa, embora respeitada e conhecida, tinha uma tiragem que
dependia fundamentalmente, como dissemos,
do número de assinantes e de anunciantes. Após sua retirada de
circulação, ainda durante algum tempo ocupou as prateleiras de
alguns privilegiados que a ela tiveram acesso na época ou a
consultavam nas coleções das grandes bibliotecas. O acervo que
consultamos (quase integral) foi-nos gentilmente cedido por Antônio
José Chediak, a quem devemos também muito do estímulo para a
realização deste trabalho. Complementamo-lo com exemplares
encontrados em lojas de livros usados do Rio de Janeiro e de São
Paulo ou na Biblioteca Nacional, pois os dois números da terceira série
são realmente raros no mercado livreiro atual. Hoje, poucos centros
de pesquisa a possuem na totalidade, o que impede um contato de novas
gerações de estudiosos com as idéias desses mestres do passado.
Laudelino Freire e a
Revista de Língua Portuguesa estão hoje esquecidos dos meios acadêmicos
universitários. A consulta a estes índices e as leituras que se
poderão fazer de seus artigos darão oportunidade para que esse
quadro seja rediscutido e que se resgate o nome de um dos maiores
incentivadores dos estudos filológicos no Brasil, patrono da cadeira
no 36 da Academia Brasileira de Filologia, ocupada primeiro
por Artur de Almeida Torres, depois por Antônio Geraldo da Cunha e
hoje por Maria Emília Barcellos da Silva.
Pretendemos,
pois, que esse índice seja matéria útil e sirva de subsídio aos
estudiosos de Letras, àqueles que queiram pesquisar sobre a língua
nacional, ou mesmo a quem queira entrar em contato com essa
peculiaridade da nossa História. Desejamos que, assim como este
trabalho foi para nós um misto de razão e emoção, possa ser para
quem dele se servir uma aventura por lugares inéditos que serão
expostos à luz da curiosidade humana, gerando o movimento da
descoberta do até então não-conhecido, aumentando ainda mais no espírito
o amor à língua portuguesa.
|